HISTÓRIAS DO ESPORTE: DO HOLOCAUSTO À VIDA COM A CORRIDA
Ela tem 84 anos e divide seu tempo em duas cidades: Montreal, no Canadá, e Miami, nos Estados Unidos. Nos últimos 50 anos, poucas foram as manhãs em que Sylvia não levantou bem cedinho, vestiu a roupa, calçou o tênis e foi correr – sempre entre 8 e 11 km.
Como vocês podem ver, sua história com a corrida não começou hoje. Há 40 anos, em 1975, a Maratona de Boston, uma das mais tradicionais do mundo, reconheceu a divisão “máster” de homens e mulheres pela primeira vez. Sylvia, aos 44 anos, foi a primeira campeã da categoria, com a marca de 3h21’38”.
Mas a corrida precisou, de forma forçada, entrar na sua vida um pouco antes. Em 1942, quando tinha apenas 12 anos, a polonesa foi separada de seus pais e sete irmãos e levada para o campo de concentração de Treblinka, um dos locais mantidos pelo governo nazista alemão. Ela nunca mais os viu.
Sylvia passou por mais três diferentes campos: Majdanek, Auschwitz e Bergen-Belsen. Em entrevista àRunner’s World, ela conta que conseguia sentir o cheiro de carne queimada, em Auschwitz. Já em Bergen-Belsen, fez amizade com uma holandesa chamada Anna. Ambas ficaram muito doentes por um tempo, com febre alta. Sylvia lembra que elas dormiam no chão, sem cobertor e em um local infestado por piolhos – sem contar a alimentação precária. Um dia, Sylvia descobriu que sua amiga Anna estava morta – o que, na época, era “normal” em um campo de concentração.
Anos depois, quando já estava livre do regime nazista e vivendo em Montreal, ouviu falar do Diário de Anne Frank, um livro que conta a história de uma garota de 13 anos que viveu entre 1942 e 1944 em campos de concentração, onde acabou morta. Ao ver uma foto de Anne no livro, Sylvia se espantou. Anne Frank era a sua amiga Anna.
No Canadá, ela se casou e teve três filhos. As memórias da vida durante o regime nazista, contudo, não saiam da sua cabeça. A polonesa era depressiva e sofria com noites de pesadelos. Seu médico indicou tranquilizantes, remédios para dormir, mas nada a ajudava.
Para que sua filha entrasse para a Escola de Enfermaria da Associação de Jovens Hebreus de Montreal (YMHA), ela precisou fazer um cadastro no local. Lá, Sylvia fez um curso de fitness e entrou para uma equipe de corrida. No primeiro dia, a polonesa era uma entre vários iniciantes. Eles fizeram um trote de um quarto de milha – uma volta em uma pista de atletismo. No segundo dia, Sylvia era a única que continuaria a correr.
3 milhas, 5 milhas, 7 milhas… Pouco a pouco, as distâncias de seus trotes iam aumentando. Ao mesmo tempo, sua autoestima mudava, sua depressão não existia mais e os remédios já não eram mais necessários.
Com o esporte tomando mais espaço em sua vida, Sylvia entrou para um grupo de corrida – na época, apenas de homens –, chamado Wolf Pack (alcateia, em tradução livre), de seu amigo Wolf Bronet, outro sobrevivente do Holocausto. Seus novos parceiros disseram que ela era capaz de completar uma maratona. Foi o gatilho para, em 1974, a polonesa completar, pela primeira vez, a Maratona de Boston, com a marca de 3h47’.
No ano seguinte, ela queria mais e conseguiu, justamente, a marca de 3h21’38”. Durante os 20 anos seguintes, Sylvia seguiu correndo provas de 42 km – fazendo seu recorde pessoal em 3h15’, na Maratona de Skylon, em 1976.
Hoje em dia, apenas uma ou duas provas – sempre mais curtas – contam com a presença de Sylvia. Contudo, o recado mais importante da polonesa é que o esporte a salvou. Ao lado de Deus, que, ela garante, a livrou da morte no Holocausto, a corrida fez com que ela revivesse.
Tem gente que ainda acha que a educação física na escola é só mais uma aula. Um passatempo para crianças. O poder que a prática esportiva é muito maior. Atinge o corpo e a mente de uma forma única, capaz de tirar crianças das ruas, acabar com sintomas de depressão, dar fim à obesidade, reduz o estresse e por aí vai.
Enquanto os responsáveis ainda pensarem desta forma, infelizmente, tenho certeza que o Brasil continuará com vários dos problemas que temos até hoje.